ENSAIO - ÉTICA E MORAL: POR UM NOVO/OUTRO SENTIDO
ENSAIO
ÉTICA E MORAL: POR UM NOVO/OUTRO SENTIDO
Considerando que o ser humano tende a priorizar a razão teórica/das ideias enquanto condição humana, desconsiderando a importância fundante da razão prática/volitiva, ele acaba por entender-se apenas um “ente” metafísico e desnaturalizado, afastando-se não só de sua condição natural/volitiva, mas também, de sua condição social/interativa; urge recuperar e investir numa visão ampliada da razão humana e da vida como um todo.
Esta visão ampliada da razão humana viabiliza uma nova/outra concepção de ética e moral, superando a comumente definição de ética enquanto momento de reflexão sobre nossa ação concreta, sendo ela moral ou não, questões distintas entre si e que também são construídas de maneira diferente na pessoa, ao meu ver.
Parto do pressuposto de que os animais e as plantas não perdem o sono com questões éticas e morais porque eles não têm razão prática, mas, apenas e simplesmente um instinto/volitivo natural, qual seja, o da autopreservação que os move, ou melhor, eles têm apenas um motivo natural de ação - que alguns teóricos também dividem em: sobreviva/dor e da reproduza-se/prazer - enquanto nós, também possuidores do instinto natural da autopreservação, ainda somos dotados de “razão”, que nos possibilita reagir sobre o nosso “sistema nervoso natural da autopreservação”, quando não é condicionado por ele; os motivos que nos movem hodiernamente brotam deste permanente fluxo entre razão e sistema nervoso (sentimentos). E é justamente aí que a razão prática kantiana finca suas raízes, logo, terreno para a moral e a ética também. (Muitas vezes me parece que os animais e as plantas foram/são mesmo de sorte, pois não precisam se preocupar com questões éticas e morais, se bem que boa parte dos humanos também não se preocupa, por isto estamos na era das “leis civis”). Entretanto, considero a razão prática de forma ampliada e não apenas enquanto ação, como Kant insistia.
Somos seres de natureza, racionais, sociais e intuitivos (abertos ao transcendente). Ressalto a partir desta concepção que a moralidade sempre aponta para a interação com os outros, e mais, é na interação que o sujeito moral se testa no sentido de ter que superar a individualidade ética a fim de possibilitar uma intersubjetividade, ou ainda, uma existência social equilibrada, movendo-se com o outro (Ética do Discurso de Habermas) e não apenas considerando o outro em meus movimentos individuais (Imperativo Categórico kantiano).
Assim, sendo a moral muito mais de ordem da razão prática enquanto interação, parece-me que a ética situa-se mais na dimensão da individualidade orgânica/dos sentidos. Antecipo aqui que o ser humano não pode ser moral sem considerar a individualidade ética.
Mas, retomando a formação ética, situo-a na dimensão da razão prática individual dos sentidos naturais, o terreno e o celeiro dos juízos de valor e, este celeiro nunca está cheio, mas também, nunca está vazio, aliás, considerando o inconsciente de Freud, arrisco-me a afirmar que herdamos grande parte dos juízos de valor de nossos antepassados. E, a grosso modo, é neste celeiro de juízos que nossa ética é constituída, ou seja, não necessita muito de interação social diferenciando-se, neste aspecto, da moral.
Aqui, lembro de Aristóteles e sua definição de saber ético, ou seja, que ele não é como um saber de uma profissão que se pode escolher; além do mais, não se pode recusá-lo e escolher um outro saber. Pois o sujeito da Phoronesis, o homem, se encontra desde já em ação numa situação e assim, sempre obrigado a possuir um saber ético e a aplicá-lo segundo as exigências de sua situação concreta.
Em outras palavras, posso dizer também, que o ser ético é mais subjetivo e o agir moral mais intersubjetivo, ou seja, da ordem da interação, logo, sendo inviável tratar ética e moral como sinônimo e também tratar a ética apenas como reflexão sobre a ação moral.
Os animais não tem problemas éticos e morais porque eles apenas agem naturalmente para se auto preservarem (instinto volitivo), isto é, eles não pensam antes de agir e nem depois de agir (que seria a função da razão volitiva); eles jamais terão problemas de “consciência”. Aliás, como já dizia/perguntava um sábio Frade Lassalista: “sabes por que o cachorro deita e rapidamente dorme? Porque ele não fica remoendo pensamentos”. Difícil não lembrar aqui de um dos pilares do budismo, qual seja, o controle dos próprios pensamentos.
Kant procurou demonstrar a “lei da liberdade” - a razão ter o domínio dos instintos - como condição da ação moral, entretanto, parece-me que esta questão é exclusivamente subjetiva, logo é uma questão ética, ou seja, condição da ação ética enquanto a condição da ação moral é a alteridade, ou melhor, a consideração do outro como fim em si mesmo e, para tanto, o ser humano precisa ir além da concepção subjetiva da razão prática, ou seja, precisa considerá-la também intersubjetivamente.
Mas e a repercussão desta visão de ética e moral para o ensino institucionalizado? Primeiramente, teimo em concordar com Condorcet que diferencia entre instrução pública e educação. Segundo: justamente a partir desta distinção arriscaria afirmar que a ética é muita mais uma questão de educação e a moral sim, uma possibilidade para o ensino institucionalizado.
Entretanto, como argumentei anteriormente, a formação ética, sendo anterior a formação moral, pode comprometer todo investimento na formação moral, afinal, o celeiro de juízos de valor já vem com vários e grandes espaços ocupados pela carga do instinto da natureza da autopreservação, ou, carga orgânica (que inclui uma carga hereditária).
Claro que é possível “remanejar esta carga”, mas, a Escola não tem infraestrutura suficiente para auxiliar efetivamente o individuo nesta empreitada. Não são teorias científicas, nem conselhos, muito menos sermões que farão o indivíduo mexer no seu celeiro, mas, outros sentimentos profundos poderão ocasionar isto, pois estes geram novos juízos de valor, podendo provocar uma “readequação” do que já está armazenado.
Isto posto parece-me razoável afirmar também que, a ética se desenvolve no movimento relacional entre autopreservação/funcionalidade orgânica e razão, e a moral entre razão e “sociabilidade”. Ainda, que a ética está mais próxima de ser sentimento - “do justo” - (carimbado pela individualidade) e a moral de princípios racionais – do bem comum - logo, com o carimbo da universalidade.
Tércio
Inácio Webler Jung
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